terça-feira, outubro 14, 2008

Internet muda parâmetros da relação professor/alunos

Saiba como utilizar fenômeno para melhorar o contato com os discentes

Por Larissa Leiros Baroni

Ao contrário o que muitos imaginam, a Internet não é um espaço aonde tudo é permitido e aonde a lei não existe. A Justiça de Rondônia, inclusive, condenou pais de estudantes que ofenderam um professor de matemática de Cacoal (500 km de Porto Velho). O docente foi alvo de ofensas na comunidade virtual "Vamos Comprar uma Calça para o Leitão". Lá, os alunos postaram ofensas, piadas e ameaças.

Segundo a professora de Responsabilidade Civil da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Flávia Portella Püschel, apesar do ambiente virtual não ter uma legislação própria, as regras que determinam seus limites são as mesmas da Constituição Federal. "De um lado existe um artigo que protege a liberdade de expressão, mas do outro a privacidade. Dois extremos que se chocam com freqüência na rede", alerta ela.

Mas, de acordo com Flávia, quando a liberdade de expressão afeta a honra e a moral de um indivíduo ou causa prejuízos patrimoniais a ele, os responsáveis podem ser punidos civilmente ou até penalmente. "Pode pagar indenizações equivalentes aos danos e, em alguns casos, dependendo da gravidade da situação, poderá ser preso", aponta a professora.

Como recompensa à sua rigidez em relação ao horário e a disciplina dentro de sala de aula, o professor de química da UFPA (Universidade Federal do Pará), Raimundo Pimentel, ganhou um "presente" de seus alunos: uma comunidade especialmente dedicada a ele em uma das principais redes de relacionamento do País. O grupo, denominado "Eu odeio o profº Pimentel", é composto por 43 membros. Enquanto alguns criticam a postura do mestre e extravasam seus sentimentos de ódio em relação a ele, outros reconhecem em público seus talentos e virtudes.

"Vivemos em uma democracia e precisamos saber aceitar as opiniões alheias. Não só aquelas que estão de acordo com nossas idéias, mas principalmente as que nos contradizem", pontua Pimentel. Para ele, a missão de agradar a todos é quase impossível ainda mais quando se trata de um profissional com tanta visibilidade quanto o professor. "Faz parte ser criticado e essa comunidade é apenas uma forma dos participantes desabafarem e expressarem seus sentimentos. Portanto, preciso respeitá-la, sem que isso interfira na nossa relação", confessa o químico.

A situação de Pimentel comprova o paradoxo que as novas tecnologias têm proporcionado à relação aluno/professor. De um lado, ferramentas que ampliam a interação entre esses dois universos e as possibilidades de conhecimento. Do outro, os mesmos instrumentos utilizados para polemizar essa relação.

"Os múltiplos meios podem ser uma estratégia de aproximação, mas dependendo do seu uso também pode levar ao afastamento", orienta coordenadora do curso de pedagogia e multimeios da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Helena Sporleder Córtes. Na opinião dela, o que vai determinar a finalidade das novas tecnologias nessa relação é a formação do professor. "Se ele dominar os conhecimentos técnicos e utilizar as inovações a favor da sua metodologia de ensino-aprendizagem poderá ter grande êxito", garante Helena.

Assim como os professores podem tiram proveito dessas ferramentas, os jovens também encontram nelas um "espaço" para expressar aquilo que verdadeiramente pensam de seus mestres. São mais de mil comunidades virtuais espalhadas nas redes de relacionamento que discutem o tema "Professor". Sem contar os vídeos sobre o comportamento docente e discente dentro de sala de aula disponíveis no ambiente virtual, além dos comentários e das críticas que recheiam os mais diversos sites e blogs.

Segundo o professor do Departamento de Educação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e autor do livro "Adoro odiar meu professor: o aluno entre a ironia e o sarcasmo pedagógico", Antonio Zuin, emoções que antes eram guardadas ou no máximo compartilhadas com um ou outro colega da instituição de ensino se tornam públicas na Internet. "Como respeito à autoridade máxima da sala de aula e até mesmo pelo medo de uma retaliação ou uma suposta perseguição, os discentes preferiam manter suas impressões em segredo. Com o advento digital, a rede se transformou em uma forma de manifestação poderosa", conta Zuin.

A Internet virou um grande painel eletrônico e público de manifestações de ressentimento, afeto e ódio, geralmente não explícitas na sala de aula. Nessa classificação aparecem comunidades como "Eu odeio professor frustrado", "Odeio professor chato" e "Eu tenho um professor F.D.P". Mas elas não são as únicas. De acordo com Zuin, a questão sexual entre aluno e professor explode na rede. "No ambiente virtual esse tabu é quebrado com a criação de diversas comunidades, entre elas "Já beijei meu professor e daí" e "Minha professora é uma gata"", cita ele. As mais variadas demonstrações de afeto e carinho dos alunos também têm seu espaço reservado.

Mas, nesse contexto, um novo paradoxo aparece. Ao mesmo tempo em que os estudantes não demonstram seus sentimentos aos professores, independente dos motivos apontados, os publicam no ambiente virtual. Ou seja, a informação que inicialmente seria sigilosa se expande na rede para um grande número de pessoas e inclusive para o docente. "Alguns estudantes tomam o cuidado de emitirem suas opiniões no anonimato, que pode ser quebrado com um trabalho de rastreamento. No entanto, a compulsão e a necessidade de dizerem o que pensam sobrepõe o receio de serem descobertos", acredita Zuin.

O professor de Telejornalismo da Universidade Metodista, Alexandre Carvalho, por exemplo, teve conhecimento de muitas das críticas dirigidas a ele no mundo virtual. "O ambiente é público, não tem como não ficar sabendo", alerta. Para Carvalho, a Internet é apenas mais uma ferramenta, com maior amplitude e divulgação, em que os alunos têm todo o direito de censurar ou elogiar seus mestres. Ele acredita, porém, que falta maturidade por parte do corpo discente para utilizar esse meio para agregar na relação aluno/professor. "Não tenho problema algum em receber críticas, mas críticas pessoais viram ofensas e nada contribuem para estruturar uma relação mais amigável e mais produtivas entre esses dois universos", diz.

Na opinião de Carvalho, essas manifestações também demonstram uma distorção na relação aluno/professor. "O foco dessa afinidade deveria estar no processo de ensino-aprendizagem. Mas os fatores que determinam se um professor é bom o ruim acaba sendo outro. O bom profissional, de acordo com os alunos, é aquele que não deixa ninguém de recuperação. Aquele mais rigoroso é rotulado como chato", afirma ele.

Pimentel corrobora com Carvalho e cita seu próprio exemplo para justificar a afirmação. "Sou considerado chato pelos alunos porque não tolero atrasos em minhas aulas, além de exigir que eles cumpram as normas de segurança para participar das aulas práticas. Nada de bermuda, nem camiseta. Não porque quero arrumar inimizade com os estudantes, mas porque se não respeitarem as regras podem correm riscos sérios, já que trabalhamos com produtos químicos de alta periculosidade", aponta. Segundo ele, não há nenhum argumento relacionado ao fato de ser um péssimo professor.

Aproveitando as críticas

Para que essa "moda" possa ser revertida a favor do professor, Zuin sugere que os docentes utilizem as críticas para a realização de uma auto-avaliação de suas atitudes em sala de aula. "Assim, será possível encontrar uma solução mais adequada de aproximação com o aluno", enfatiza. Para o professor da UFSCar, de nada adianta o profissional ficar com raiva de quem o ofendeu e utilizar o seu poder dentro de sala de aula para se vingar. "Isso tende a prejudicar ainda mais essa relação."

Alguns comentários na rede de relacionamento, no entanto, denunciam professores que deixaram alunos de exame ou dependência por causa desse motivo. Mas, tanto Carvalho como Pimentel discordam desse procedimento. "O docente não reprova ninguém. O estudante é que constrói o semestre dele. Essa é a desculpa clássica daqueles que não fazem auto-avaliação do seu rendimento escolar", argumenta Carvalho. "Se o aluno fez todas as atividades com qualidade, não importa se eu gosto ou não, ele passa", completa. Além disso, Pimentel acrescenta que essa seria uma atitude antiética do profissional.

Apesar do modismo estar espalhado em todos os estados e nos mais diversos níveis educacionais, a investigação constante do que tem sido falado ou não no ambiente virtual não deve ser a preocupação central do professor. "Nesse meio há alunos bem e mal intencionados. Alguns querem apenas ridicularizar a figura do mestre. Portanto, isso não pode ser passado como ponto de referência. O professor não pode ser benzinho só para não ganhar nenhuma comunidade contra ele", orienta Helena. Na opinião dela, é preciso estabelecer uma relação de confiança em sala de aula para a organização de um processo de ensino-aprendizagem mais eficiente e colaborativo. "Um procedimento que favorece naturalmente o respeito mútuo entre professor e aluno, dentro e fora dos bancos acadêmicos", assegura.

Mas as atitudes que permeiam essa nova tendência são as mais variadas. Pimentel, da UFPA, por exemplo, prefere não se preocupar com que os alunos andam dizendo dele nas redes de relacionamento. Mas, sempre que as reclamações a respeito dele são fundamentadas, procura estabelecer um contato pessoal com o aluno. "Uma vez questionei a um deles: "Se você fosse chefe de um laboratório de química, gostaria que os seus funcionários chegassem tarde todo o dia e não utilizassem os equipamentos de segurança?" A partir dessa conversa, conseguimos estabelecer uma convivência mais amigável", conta Pimentel.

Carvalho também não tem o hábito de entrar no ambiente virtual para xeretar o que os alunos andam dizendo dele, até por que perderia muito tempo em uma ação que nada acrescentaria a sua carreira. "Geralmente, esses estudantes não têm coragem de direcionar as críticas a você, se escondendo atrás de uma ferramenta. Portanto, prefiro ignorar essas manifestações", diz. Segundo ele, as tecnologias devem, sim, ser mais incorporadas nesse relacionamento. "No entanto, não se pode esquecer que os dois lados merecem respeito e que nada substitui o olho no olho", assegura. "Se está preocupado em melhorar a aula, ele tem todo o direito de expor suas críticas e sugestões. Mas não é por meio do Orkut que vai conseguir mudar alguma coisa", completa Carvalho.


Fonte: Portal Universia

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