quarta-feira, dezembro 31, 2008

Eles já mostraram o caminho


Outros países já se saíram bem na tarefa de elevar o nível da educação. Conhecer esses exemplos -e copia-los - pode indicar atalhos ao Brasil

Se este texto chegasse a todos os brasileiros, é provável que apenas um em cada quatro deles conseguisse compreende-lo de verdade. 0 restante teria dificuldade porque padece de um estágio rudimentar de instrução: 38% conseguem apenas localizar informações explícitas em trechos pequenos, 30% só são capazes de ler e escrever períodos curtos e os demais são completamente analfabetos. Mudar esse cenário é condição imprescindível para o desenvolvimento do Brasil - nenhuma nação conseguiu alcançar o estágio de Primeiro Mundo sem educar a população. Para os especialistas, o Brasil está pelo menos um século atrás dos países desenvolvidos em quase tudo o que diz respeito à educação. Essa defasagem se tornou um problema mais dramático a partir do final dos anos 90, diante dos desafios da incessante inovação tecnológica e da economia crescentemente baseada no conhecimento. Como o Brasil pode superar esse atraso?

Um caminho é saber o que fizeram outros países que conseguiram, ao longo das últimas décadas, acelerar seu desenvolvimento educacional. Coréia do Sul, Irlanda, Finlândia e Chile estão entre os modelos. "As idéias podem surgir num lugar e ser adaptadas a outro. A inovação nem sempre é urna invenção. Pode ser uma cópia", diz Maria Madalena Santos, consultora do Banco Mundial nessa área. Uma lição fundamental é que a qualidade de um sistema educacional não pode ser maior do que a qualidade de seus professores. Foi essa a primeira conclusão a que chegou um estudo feito pela consultoria McKinsey, em junho de 2008, com 120 escolas de 20 países. Professores formados em cursos superiores fracos e que não evoluem durante a carreira são receita certa para um ensino desastroso. No Brasil, três em cada dez estudantes de pedagogia têm como origem o contingente de alunos com as piores notas do Ensino Médio. Além disso, quase 28% dos docentes da educação básica não possuem diploma universit ário, sendo que 4% destes não concluíram sequer o Ensino Fundamental. "Se o Brasil não for capaz de estimular jovens talentosos a entrar para a carreira de professor, os problemas não terão solução nem no médio nem no longo prazo", afirma Mozart Neves Ramos, presidente do movimento Todos pela Educação, que reúne representantes de empresas, organizações sociais, educadores e gestores públicos.

Na Coréia, apenas os alunos que figuram entre os 5% de melhor desempenho conseguem passar pelo rigoroso vestibular de pedagogia, que também avalia as habilidades em comunicação dos candidatos. 0 salário inicial que recebem depois de formados é quase o triplo da média paga aos professores brasileiros. Na graduação, os coreanos passam por estágios práticos supervisionados para garantir a qualidade didática. Também nesse caso o Brasil está na contramão. "Nossos alunos de pedagogia estão sendo preparados muito mais para a vida acadêmica do que para ensinar em sala de aula", diz Ramos. "Os cursos que formam os futuros professores estão cada vez mais longe da prática." Além da seleção e do preparo adequados, é preciso assegurar a educação continuada ao longo da carreira. Na Irlanda, pais que fez verdadeira revolução educacional dos anos 70 para cá, há serviços de apoio constante tanto para professores como para diretores de escolas.

Ao lado do investimento no professor, é necessário equipar melhor a escola pública com bibliotecas, laboratórios e computadores. 0 governo brasileiro investe por ano 1.700 reais em cada aluno da educação básica, metade do que gasta a Argentina - e um sétimo do que gastam, em média, os países da União Européia. A Coréia, devastada por uma guerra civil nos anos 50 (época em que, de cada sete habitantes, apenas um era alfabetizado), chegou a investir 10% do PIB em educação durante toda uma década. Mas não adianta nada gastar mais sem gastar melhor: é preciso aprimorar a gestão dos recursos. Os diretores de escola, em particular, precisam ser especialmente treinados para isso. Em Cingapura, eles passam por um curso de gestão de seis meses que inclui estágios em empresas. A adoção de critérios de meritocracia também ajuda a gastar melhor o dinheiro investido - e por isso é questão-chave em todos os casos de sucesso. 0 México, país que tem se saído melhor que o Brasil em avaliações internacionais, como o Pisa, que compara notas de alunos em ciências, leitura e matemática, mantém no ensino básico programas de pagamento ao professor de acordo com o mérito. No Brasil, a cultura de isonomia salarial na rede pública faz com que os maus diretores e professores se acomodem, enquanto os bons se desmotivam por falta de reconhecimento.

A pesquisa conduzida pela McKinsey mostra ainda que, se um país quer realmente avançar na educação, precisa abraçar o compromisso de não deixar nenhum aluno para trás. Segundo a Unesco, o Brasil apresenta índice de repetência de 18,7%, maior até que os 13% da África subsaariana, a região mais pobre do mundo. Na Finlândia, existe até graduação em pedagogia específica para professores que querem se especializar em aulas de reforço. Um em cada cinco estudantes do país faz reforço em algum momento da vida escolar. 0 resultado é que a Finlândia registra apenas 1 % de repetência, além de ser a primeira colocada no Pisa. As histórias de sucesso também mostram que a sociedade em geral e a família em particular precisam se envolver de forma profunda na educação. Durante a divulgação dos resultados do Pisa de 2001, a Alemanha foi surpreendida com resultados piores que o esperado. Seguiu-se uma verdadeira comoção nacional em torno da questão, com investigações, seminários e até mudanças legais. 0 contraste com o Brasil é evidente: os maus resultados nos exames internacionais não abalam a maioria dos pais de alunos. Na Colômbia, associações comunitárias foram capacitadas para participar diretamente da gestão da escola e cobrar de perto os professores, segundo um modelo criado nos anos 70. Implantado em 35 países, o modelo é utilizado por cerca de 10 000 escolas brasileiras, com o nome de Escola Ativa. "A mudança no ensino precisa abranger de forma sistêmica todos os que fazem parte do processo educativo: alunos, famílias, professores e gestores", diz Clarita Arboleda Colbert, responsável pela Fundación Escuela Nueva Volvamos a la Gente, que faz parcerias com a iniciativa privada para a expansão do sistema. Certamente essa é uma lição que vale para toda e qualquer iniciativa educacional de sucesso.

Lições de casa - Algumas iniciativas, principalmente no campo da gestão, que o Brasil poderia copiar de países que conseguiram registrar grandes avanços na qualidade do ensino nas últimas décadas

Seleção e formação dos professores
Na Coréia do Sul, o vestibular para a carreira de professor está entre os mais difíceis e só os 5% de candidatos com as melhores notas são aceitos. 0 mestrado é obrigatório. No Brasil, 28% dos docentes não têm nível superior

Remuneração atraente
0 salário inicial de um professor coreano equivale a 4 000 reais por mês. 0 valor pode dobrar em 20 anos. 0 salário médio dos professores no Brasil é 1500 reais, 37% abaixo da média dos profissionais diplomados em geral.

Investimento no Fundamental
Para chegar ao estágio atual, a Coréia investiu 10% do PIB em educação por uma década. 0 Brasil investe por ano 3.2% do PIB nessa área. Um aluno do Ensino Fundamental custa 1700 reais por ano, um sétimo do que gastam países europeus.

Exigência na gestão
Em Cingapura, as candidatos a diretor de escola têm de estudar administração. Depois, passam a ser avaliados em função dos resultados. Para ser diretor de escola brasileira, basta ter diploma de pedagogia ou licenciatura em educação.

Infra-estrutura adequada
As bibliotecas de escolas coreanas atraem famílias nos fins de semana. No Brasil, só metade das escolas públicas do Fundamental possui biblioteca, 25% têm acesso à internet e 15% laboratório de ciências

Valorização dos melhores
As verbas destinadas às universidades no Chile têm uma parte variável, fixada por avaliação do desempenho dos alunos e dos projetos realizados. No Brasil, professores e diretores, sejam eles excelentes ou ruins, ganham o mesmo.

Prioridade de Estado
Nos anos 70, o índice de analfabetismo na Irlanda era de 35% - hoje, é de 0,1%. Para conseguir esse resultado, os três maiores partidos políticos do país fizeram um pacto que sobreviveu a quatro trocas de presidente.

Dedicação dos alunos aos estudos
Os estudantes coreanos entram na escola às 7 horas e só saem às 16. Os alunos brasileiros da rede pública não passam mais que 5 horas por dia em aula. Ampliar a carga é uma etapa a vencer, após colocar todas as crianças na escola.

Reforço para quem precisa
Na Finlândia, de cada sete professores há um voltado para aulas de reforço, pelas quais passam 20% dos alunos. 0 MEC recomenda que o professor dedique 4 horas por semana a reforço, mas isso não é fiscalizado.

Envolvimento da família
A educação das crianças chega a consumir 30% do orçamento das famílias coreanas. Um estudo da Unesco apontou a falta de envolvimento dos pais na vida escolar como uma das causas da violência nas escolas no Brasil.



Fonte: Revista Exame

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