sábado, dezembro 20, 2008

De homo sapiens a homo ethicus

Dentro dos estudos da Biologia, o ser humano é classificado como homo sapiens, ou homem sábio e racional. Com sua inteligência, aprendeu a utilizar os recursos do planeta em seu benefício. Essa sabedoria, entretanto, está em xeque diante da degradação do meio ambiente e das relações sociais. Passados mais de 130 mil anos desde que o sapiens dominou o universo, vive-se um momento histórico, em que é preciso trabalhar pela evolução dessa mesma espécie. E o novo ser humano já ganhou o adjetivo para os tempos que se avizinham: vivemos a transição de homo sapiens para homo ethicus, ou seja, aquele cujo processo de concepção de idéias e ações é fundamentado em padrões éticos universais.

Assim como no início da sua existência, ele viveu marcantes transições – de homo habilis, para homo erectus até se tornar um homo sapiens (veja boxe) – a necessidade de abandonar a visão individualista e fragmentada do mundo e resgatar valores como solidariedade e parceria comporta esse novo gênero.

“Quanto mais estudamos os problemas de nossa época, mais somos levados a perceber que eles não podem ser exibidos isoladamente. São problemas interligados e interdependentes”, explica Andréa Marinho, pesquisadora internacional na área de Educação e mestranda em Filosofia pela Universidade de São Paulo, que escreveu uma tese a respeito da evolução do homo sapiens para o homo ethicus. Andréa descreve toda a desordem política, econômica, cultural, histórica, social e ambiental como problemas que se dão de forma sistêmica.

Mas foi justamente rumo a esse equívoco que o ser humano se conduziu nos últimos séculos. Segundo Andréa, ao longo dos anos, o homo sapiens reiterou valores que o isolaram de seus semelhantes. “Passamos a valorizar a competição entre os homens, a quantidade de poderes no sentido econômico da questão e a dominação política sobre pessoas e territórios”, expõe a pesquisadora. Ela afirma que o paradigma da globalização, imposto como algo inevitável, ao qual quem não se adaptar morre, corrobora para essa visão fragmentada. “Ele nos escraviza, nos priva do ato de pensar, criar, amar e viver globalmente”, considera. Para Andréa, a ganância, o capital e o conforto domam a globalização, como descreve em sua dissertação.

Segundo ela, o conceito do homo ethicus está mais baseado na cooperação que na dominação. Ao contrário do homo sapiens, esse novo ser humano não se vê soberano sobre as coisas, mas sim como parte de toda a criação. É mais voltado para a preservação que para a expansão e pensa mais na qualidade que na quantidade. Mas o fator mais importante inerente ao caráter desse ser é seu olhar sistêmico, holístico e ecológico. Ele é capaz de juntar os fragmentos para enxergar o todo e pautar sua existência nessa visão. A visão do que é sustentável.

DISTORÇÕES

As grandes catástrofes e a deterioração da vida em sociedade, com a acentuação da violência, por exemplo, bem como a valorização de comportamentos amorais, têm despertado o homem para reflexões mais profundas a respeito do destino para o qual está levando o planeta. “Valores como a solidariedade, o respeito, a amizade e o amor precisam ser resgatados, pois são pontos-chave dessa evolução”, defende o presidente do Instituto Brasileiro da Ética nos Negócios (Iben), Douglas Flinto. Para ele, a sociedade vive imersa em valores distorcidos, em que o “ter” está sempre a cima do “ser”. “Desde cedo as pessoas aprendem que se dar bem (o que pode ser entendido como ter dinheiro e poder) é um objetivo a ser atingido na base do custe o que custar. Flinto ressalta que esses valores têm impacto direto na forma como as pessoas se relacionam entre si: “Hoje você aprende a se relacionar com o próximo para ganhar vantagem. É o chamado networking.Quer dizer, o real valor da relação entre os seres se perdeu”, diz Flinto

A ética precisa entrar na pauta cotidiana do ser humano, se ele realmente quiser sobreviver. E a educação seria um dos caminhos para trabalhar o desenvolvimento dos valores necessários para a vida sustentável. “Uma cultura muda de duas formas: pela educação e pelo exemplo”, diz Flinto. Ele conta que o Iben já possui projetos educacionais em fase de implantação. “São ações focadas no ensino fundamental e médio, que buscam levar a essas crianças e esses jovens a importância do comportamento ético para uma existência sustentável.”

Do lado das empresas, Flinto diz que cabe a elas trabalhar para dar o exemplo. “As empresas precisam questionar se vale mesmo a pena fazer qualquer coisa pelo lucro.” Segundo ele, as pessoas passam uma boa parcela de suas vidas dentro das organizações. Portanto, elas são co-responsáveis pela formação dos valores da sociedade onde estão inseridas. “Eu não creio que as empresas sejam responsáveis por todos os males da humanidade. Entretanto, elas têm poder para reverter esses males e devem ser cobradas por isso.”

Para Andréa Marinho, as empresas têm a possibilidade de promover o fortalecimento das relações interpessoais e do valor da cooperação. “Mas isso depende muito das posições de suas lideranças. Se as lideranças estiverem sempre pautadas nas metas, em números e resultados, isso irá se refletir para o restante da companhia.”

HOMO SAPIENS

• Durante seu processo de evolução, foi conduzido a ter uma visão fragmentada, ou seja, a enxergar todas as coisas como pedaços dissociados entre si.
• Usou a inteligência para exercer domínio sobre todas as coisas, constuindo, assim, uma autovisão de soberania.
• Historicamente, seu instinto de sobrevivência o fez dar prioridade para valores como o individualismo e a competição, expansão e quantidade.
HOMO ETHICUS

• É capaz de enxergar o mundo de maneira holística e sistêmica, em que tudo está relacionado e é interdependente.
• Tem uma visão mais ecológica no sentido de que se vê como parte integrante do todo.
• Vê na parceria e na cooperação os principais valores para uma existência sustentável.

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