segunda-feira, dezembro 29, 2008

A classe média não quer ser rica


Para o economista indiano, o sonho da “nova classe média” mundial é que os filhos não voltem à pobreza

Como você definiria o padrão de vida de uma pessoa que pertence à “classe média”? Ela paga os estudos dos filhos até a faculdade? Tem plano de saúde e viaja de vez em quando com a família para a praia? A frieza dos números mostra uma realidade diferente. “Essas são características dos ricos, quando se analisa a distribuição de renda nos países pobres ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil”, afirma o economista indiano Abhijit Banerjee, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Banerjee publicou em 2007 os resultados de uma pesquisa feita em 17 países da América Latina, África e Ásia, como China e Índia. O trabalho revelou quem são e o que fazem os integrantes da “nova classe média” mundial, aqueles que acabaram de ultrapassar os limites da pobreza.

Em geral, seus integrantes não têm perfil empreendedor, recebem salários baixos e só investem na casa e na educação dos filhos. De passagem pelo Brasil, Banerjee falou sobre os sonhos da “nova classe média” e as formas mais eficazes para reduzir a pobreza no mundo.

Abhijit Banerjee, de 47 anos, é professor de Economia Internacional no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, onde fundou e dirige o centro de estudos da pobreza Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab. Formou-se em Economia na Índia e obteve o doutorado na Universidade Harvard. Foi professor na Universidade Princeton e publicou Making Aid Work (2007)

ÉPOCA – O senhor estudou 17 países para definir a “nova classe média” mundial. Quem são seus integrantes?

Abhijit Banerjee – A nova classe média, como nós a definimos, é feita de pessoas que vivem com uma renda diária que vai de US$ 2 a US$ 10. Pode parecer pouco, mas em países como Índia, Tanzânia e Paquistão quem vive com US$ 10 ganha mais que 80% da população – e muito pouca gente ganha mais que isso. Se a “verdadeira” classe média fosse de pessoas que ganham US$ 10 ao dia, então a idéia de que a classe média estaria no centro da distribuição de renda de um país seria descartada. Com o corte que fizemos, estamos falando numa população com renda superior à dos 20% mais pobres e inferior à dos 20% mais ricos.

ÉPOCA – Qual é o perfil dos integrantes da “nova classe média” mundial?

Banerjee – Em termos gerais, a nova classe média investe na família, e não em negócios. Eles têm empregos urbanos estáveis, com salário fixo. Não são bem pagos. Ganham o suficiente para garantir a educação dos filhos e pagar um tratamento de saúde para os pais. Seriam, por exemplo, um garçom de um bom restaurante na Índia ou um operário em uma grande fábrica chinesa. Esse seria um membro típico da nova classe média. Apenas uma pequena parte mantém o próprio negócio, como um bar ou uma mercearia. Normalmente, não empregam ninguém, a não ser os familiares. Nesse caso, parecem ter um negócio próprio, mas na prática são como um encanador, alguém que trabalha por conta própria. É uma classe que cresceu muito no Brasil nos anos 1960, vem crescendo rapidamente na China e de maneira mais lenta na Índia.

ÉPOCA – Cem milhões de brasileiros pertencem à “nova classe média”. Quais serão os efeitos da crise mundial sobre eles?

Banerjee – O perigo é a queda na criação de empregos. Fábricas vão demitir e restaurantes fecharão, para continuar com os exemplos do garçom e do operário. A criação ou manutenção desses empregos depende diretamente da demanda por bens e serviços, e essa demanda está encolhendo. Mas os maiores efeitos da crise se abaterão sobre os ricos. Apesar disso, não seria certo dizer que os ricos são os mais vulneráveis, porque eles não precisarão tirar os filhos da escola caso algo dê errado em seus negócios. Já os muito pobres, dependendo da forma como seus países lidem com a crise, poderão ser os mais beneficiados no curto prazo. A China vai combater a crise investindo em infra-estrutura, criando mais empregos para os mais pobres.

ÉPOCA – Quais são os sonhos que definem a “nova classe média”?

Banerjee – Seu sonho é manter seu status e pagar as contas em dia. Ter uma TV e um veículo, que seria um carro compacto no Brasil e uma boa bicicleta na Índia. E dinheiro para gastar com os problemas mais comuns de saúde.

ÉPOCA – Contentar-se apenas com o necessário não é negar a esperança?

Banerjee – Para a nova classe média, isso já é um sonho. São pessoas cujos pais viviam de bico e saíram da margem da pobreza. Agora, a nova classe média precisa educar seus filhos para que eles mantenham o conforto de hoje. Muitas vezes, quem pertence hoje à nova classe média foi o único entre os irmãos que conseguiu se estabelecer. Pense do ponto de vista de um pobre. Esse é o sonho dos pobres. O novo membro da classe média luta para assegurar sua condição e para que todos os seus descendentes sejam como ele. Esse é o desafio.

ÉPOCA – A “nova classe média” ainda tem tantos filhos quanto seus pais?

Banerjee – A classe média tem muito menos filhos que os pobres, e isso é uma característica fundamental. É um dado em comum em todos os países que estudamos. Tem a ver com o desafio de investir nas próximas gerações. Não para que os filhos sejam ricos um dia, mas para que nunca se tornem pobres. Os pais querem assegurar aos filhos um emprego como o deles. Quanto menos filhos, mais fácil é assegurar esse futuro.

ÉPOCA – Até onde vai a educação dos filhos? Eles chegam à faculdade?

Banerjee – Tipicamente, eles estudam até completar o ensino médio, em colégios públicos, mas não chegam à faculdade. É claro que há exceções, mas de maneira geral é o que ocorre. A intenção é que os filhos estudem, aprendam uma profissão e consigam um emprego.

ÉPOCA – Os membros da “nova classe média” brasileira não se vêem como pertencendo a ela, mas como pobres. O mesmo ocorre com a classe média “tradicional”. Eles não se vêem como ricos.

Banerjee – É assim em todo o mundo. Quem trabalha para o governo quase sempre se enquadra na classe média. Mas uma enfermeira de hospital público não se vê como pobre, porque atende pessoas mais pobres que ela. Por outro lado, um motorista particular pode ganhar o mesmo que a enfermeira, mas se vê como pobre porque trabalha para pessoas mais ricas. A visão econômica e social difere porque depende sempre de com quem você está se comparando.
“A chave da violência é a desigualdade. Na Índia, ela ainda é baixa,
mas está crescendo. Há quem tema um aumento da criminalidade”

ÉPOCA – A violência é um grande problema no Brasil. Ela é considerada como o resultado da desigualdade social. Mas a Índia tem quase 1 bilhão de pobres e é considerada um país seguro. Qual é a diferença entre o Brasil e a Índia?

Banerjee – A urbanização brasileira iniciada nos anos 1960 foi acompanhada por um crescimento brutal da desigualdade na distribuição da renda. A Índia nunca teve um crescimento vertiginoso na urbanização. No Brasil, a rápida urbanização criou uma classe de pessoas que vieram à cidade grande com esperança. No fim dos anos 1980 e início dos 1990, a esperança virou frustração. É perigoso para qualquer sociedade ter de lidar com isso. Na Índia, as pessoas só partem do campo para a cidade com uma oferta clara de emprego, de um amigo ou familiar. Mesmo assim, é sempre um trabalho temporário. Eles vão sozinhos, não levam a família. A chave da questão da violência é a desigualdade. A desigualdade na Índia é historicamente baixa, mas está crescendo. Existe em meu país a preocupação de que ela se reverta em um aumento da criminalidade.

ÉPOCA – O senhor dirige o Poverty Action Lab, organização que identifica ações realmente efetivas no combate à pobreza.

Banerjee – Não é à toa que somos todos economistas (risos). Somos mais de 30 em todo o mundo. O que a gente faz com o PAL é identificar as estratégias mais eficazes para ajudar os pobres. Não é tentar transformar pobres em ricos, mas melhorar sua qualidade de vida. Temos muitos patrocinadores, e normalmente quem doa dinheiro fica preocupado em saber se ele está sendo bem usado. O que fazemos é pesquisar formas para garantir isso. Garantir que, assim como um investimento financeiro qualquer, o dinheiro para combater a pobreza dê retorno.

ÉPOCA – O que o senhor faria se tivesse US$ 1 milhão para gastar em uma causa humanitária?

Banerjee – Acho que se existe uma maneira barata de melhorar a qualidade de vida dos pobres é dar acesso a necessidades básicas de saúde. Vacinar crianças e tratar a água, por exemplo. O retorno é muito alto, e o investimento é baixíssimo. Portanto, identificaria essas necessidades ao redor do mundo e pulverizaria o investimento nessas pequenas coisas. O que vejo nos lugares pobres que conheço é que as pessoas têm uma vida muito estressante. Não encontram tempo para coisas simples como levar as crianças para vacinar. Dar incentivos para que façam isso pode mudar essa percepção. Dar, por exemplo, R$ 0,20 para vacinar cada criança. Eu poria meu milhão de dólares nisso.

Fonte: Época

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