sábado, novembro 29, 2008

Educação e a crise

28/11/2008 - Os avanços no acesso à educação obtidos nas duas últimas décadas esgotaram-se nos últimos três anos. Em particular, o número de matrículas no ensino médio está estacionado em pouco mais de oito milhões há quatro anos. Note que apenas 50% da população com idade para cursar este ciclo está na escola, ou seja, ainda haveria muito espaço para crescimento das matrículas. Enquanto não houver crescimento acelerado no acesso e na qualidade da educação, de nada adiantarão políticas industriais de indução à inovação e aos investimentos em P&D, pois faltam trabalhadores qualificados para lidar com novos processos e tecnologias. Agora, com a grave crise econômica se aproximando, quais são as perspectivas para o acesso e a qualidade da educação no Brasil?

O impacto do crescimento econômico sobre as matrículas e as decisões de trabalho das crianças e jovens tem sido objeto de muitos estudos e pesquisas. Há dois fatores principais que impactam essas decisões e que atuam em direções opostas. Em primeiro lugar, como a recessão diminui as oportunidades de trabalho com bons salários, o custo de ficar na escola e estudar diminui e os jovens tendem a trabalhar menos e ficar mais tempo na escola. Este é o efeito-substituição, que parece estar acontecendo, por exemplo, com o mercado de MBAs nos Estados Unidos, que anda aquecido pela demanda dos executivos que trabalhavam em Wall Street. O mesmo acontece nos exames nacionais de ingresso nos programas de mestrado em economia no Brasil, cuja demanda aumenta muito em tempos de recessão. Por outro lado, a recessão tende a diminuir o salário dos próprios jovens e de seus familiares no mercado de trabalho, o que faz com que eles tenham que consumir menos lazer e menos estudo. Este é o efeito-r enda. Um episódio de desemprego na família, por exemplo, pode fazer com que o jovem tenha que entrar no mercado de trabalho para complementar a renda familiar.

Qual desses dois efeitos tenderá a prevalecer no Brasil? No Brasil de hoje em dia, 62% dos jovens de 15 a 17 anos estudam "full-time", 20% conciliam trabalho e estudo, 8% só trabalham e 10% não trabalham nem estudam. Como estas proporções se alterariam com uma recessão? Pesquisas conduzidas pela economista Suzanne Duryea do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) apresentam resultados interessantes, mostrando que tanto o efeito-substituição como o efeito-renda são importantes no Brasil. Um declínio da renda familiar per capita causado por uma recessão, por exemplo, tende a diminuir a freqüência escolar e aumentar o trabalho entre os jovens. Uma queda de 20% na renda familiar diminui a freqüência escolar em dois pontos percentuais, tanto para meninos como para as meninas. Por outro lado, quando o salário médio esperado do jovem no mercado de trabalho diminui, a freqüência escolar aumenta e o trabalho diminui, pela ação do efeito-substituição.

Basicamente, o que esses resultados mostram é que quando a economia vai mal, mas os familiares do jovem mantêm o emprego, ele permanece mais tempo na escola, pois as oportunidades de emprego escasseiam. No entanto, quando a crise atinge os próprios familiares, o jovem tem que ir para o mercado de trabalho para tentar ajudar a família a qualquer custo. Chama a atenção nestes estudos o alto grau de mobilidade dos jovens no mercado de trabalho brasileiro. A probabilidade de um jovem que não está trabalhando num determinando momento passar a trabalhar no mês seguinte é de 10% para os homens e de 5% para as mulheres. Mais importante, quando o chefe de família fica desempregado num período de recessão, a probabilidade de uma jovem com pais analfabetos começar a trabalhar aumenta dez pontos percentuais, a probabilidade de sair da escola dobra (de 2,5% para 5%) e a probabilidade de repetir o ano aumenta de 31% para 39%. No longo prazo, a probabilidade desta jovem chegar ao ensino méd io diminui significativamente.

O aumento das matrículas no ensino médio nas duas últimas décadas decorreu em grande parte do aumento da educação dos pais, que perceberam a importância da escola para o futuro de seus filhos e os incentivaram a permanecer mais tempo na escola. A estagnação recente das matrículas ocorreu pela diminuição dos formados no ensino fundamental e pela decepção dos jovens com o nível e aplicabilidade do ensino oferecido nas escolas públicas no mercado de trabalho. Como vimos nos estudos acima, uma recessão tende a ter como efeito líquido uma queda na freqüência escolar e aumento do trabalho precário dos jovens em situação de mais vulnerabilidade. Num momento em que os jovens estão desiludidos com o ensino oferecido nas escolas públicas, o risco de retrocesso educacional é grande.

Que lições de política econômica e social podem ser obtidas destas análises? Como minimizar os impactos educacionais da crise? Um estudo muito interessante realizado pelo FMI analisou os efeitos sobre a freqüência escolar e o trabalho infantil das modificações no sistema de pensão rural ocorrido em 1992 no Brasil, que aumentou o valor da pensão, diminuiu a idade mínima para recebimento dos benefícios para 60 anos e permitiu que mais de um idoso recebesse a pensão no mesmo domicílio. Comparando crianças que moram em domicílios com idosos com as demais, o estudo encontrou que o aumento da renda familiar advindo da reforma provocou um aumento da freqüência escolar e diminuição do trabalho, principalmente para as meninas entre 12 e 14 anos de idade. Interessante notar que os efeitos sobre a escolaridade e empregabilidade das meninas foram maiores quando o recipiente da pensão foi uma mulher e vice-versa. Assim, transferências adicionais de renda tendem a aumentar a freqüência esc olar e diminuir o trabalho infantil.

Desta forma, o governo deveria tentar atenuar os choques adversos do mercado de trabalho dos próximos anos, especialmente para os trabalhadores de qualificação mais baixa, para não comprometer o esforço educacional realizado nos últimos anos. Assim, ao invés de correr para ajudar as grandes empresas do setor automobilístico ao menor sinal de perigo, o governo deveria reforçar mecanismos compensatórios, tais como o programa Bolsa-Família e o seguro-desemprego.

Fonte: valor econômico

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