sábado, setembro 20, 2008

A universidade e a verdade

19/09/2008 - A universidade desde a sua origem teve como objetivo buscar respostas sobre a verdade e Sócrates é considerado na cultura ocidental como o precursor do espírito universitário pelo amor à verdade. Platão, nos diálogos em que Sócrates é o seu porta-voz, sistematicamente refere-se à verdade das coisas e da existência humana. Na disputa de Sócrates com Eutifrone, sobre a questão da piedade e o culto aos deuses mitológicos, Sócrates o questiona sobre a veracidade da existência daqueles deuses tal como crê Eutifrone, e o interpela: “Tu acreditas que entre os deuses exista realmente uma guerra recíproca e terríveis inimizades e combates (...). Teremos nós, Eutifrone, de afirmar que tudo isto é verdade?”. Há neste questionamento a disposição da procura da verdade, tendo como fim o aperfeiçoamento do conhecimento.

O conhecimento da verdade, na perspectiva clássica grega, do século IV a.C., não se dá separada da busca do bem. Conhecer a verdade corresponde ao que denominavam de theoria, no entanto a verdade não é só teórica, pois de acordo com Papa Bento XVI: “verdade significa mais do que saber: o conhecimento da verdade tem como finalidade o conhecimento do bem. Este é também o sentido do questionar socrático: qual é o bem que nos torna verdadeiros?”

A universidade na sua hora inaugural compunha-se das faculdades de Filosofia, Teologia, Direito e Medicina. A de Medicina foi incluída posteriormente às outras, pois era considerada como arte e não propriamente ciência, porquanto se propôs realizar a cura das doenças – não de acordo com crendices ou magias, mas segundo a razão.

Como as relações entre a prática e teoria requeriam concretizações sobre as formas de aplicar a justiça e limitar a liberdade individual, destas questões incumbiu-se a Faculdade de Jurisprudência. Bento XVI, no discurso que seria proferido na Universidade de La Sapienza, refere-se à necessidade de uma forma razoável para se encontrar as soluções dos problemas da sociedade. Propõe a reflexão sobre o processo de argumentação, sobre as questões de justiça, que deve ser sensível à verdade: “Na minha opinião, Jürgen Habermas exprime um vasto consenso do pensamento contemporâneo quando afirma que a legitimidade de uma carta constitucional, como pressuposto da legalidade, derivaria de duas fontes: da participação política igualitária de todos os cidadãos e da forma razoável como são resolvidos os contrastes políticos.” A propósito da referida “forma razoável”, observa ele que a mesma não pode ser somente uma luta por maiorias aritméticas, mas há-de caracterizar-se como um “processo de argumentação sensível à verdade”.

O propósito da universidade é o de promover o crescimento na sensibilidade pela verdade, para isso necessita da autonomia da ciência em relação aos interesses utilitários do poder. A ciência deve se subordinar à verdade, e na Universidade Medieval as Faculdades de Filosofia e de Teologia cumpriam esta função ao refletir sobre o bem do homem em sua totalidade. Bento XVI esclarece que: a “Faculdade de Filosofia tinha sido somente propedêutica à teologia e tornou-se (a partir da incorporação dos escritos de Aristóteles no século XII) uma verdadeira e própria Faculdade, um parceiro autônomo da teologia e da fé nela refletida.”

Desde o início a universidade refletiu sobre a totalidade do bem que provém da verdade, tendo a filosofia desempenhado um papel primordial nesta tarefa. Bento XVI também esclarece sobre o perigo ao se separar a ciência da busca da verdade: “O perigo do mundo ocidental para falar somente dele é que o homem hoje, precisamente à vista da grandeza do seu saber e do seu poder, desista diante da questão da verdade; significando isto ao mesmo tempo que, no fim de contas, a razão cede face à pressão dos interesses e à atração da utilidade, obrigada a reconhecê-la como critério derradeiro”.

Na concepção de Jorge Lacerda, ex-governador catarinense, a universidade para sê-la verdadeiramente, deve estar fundada num estatuto mais profundo que é a busca da verdade, de modo que as faculdades ou ciências específicas estejam “fundidas entre si por aquele estatuto muito mais importante que se escreve nos corações pelo milagre diário da colaboração e da convivência de homens de tão diferentes temperamentos, de tão diversas tendências, de tão vários interesses. Existe entidade universitária quando os homens, pela convivência diária, se tornaram real humanidade; e quando essa humanidade, transcendendo-se, se torna a um tempo amor e pensamento.”

Paulo Sertek, doutorando em Educação pela UFPR, autor dos livros: Responsabilidade Social e Competência Inter-pessoal (Ibpex, 2006) e Empreendedorismo (Ibpex, 2007).

www.sertekpaulo.blogspot.com

Fonte: Gazeta do Povo

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