quarta-feira, setembro 03, 2008

BRICabraque

03/09/2008 - O que há de comum entre os BRICs? São economias grandes em uma transição política e econômica. Na política, estão caminhando de regimes autoritários para democráticos. No econômico, buscam se tornar economias de mercado vindo de experiências intervencionistas. Em síntese, estão em marcha de um modelo burocrático-nacionalista para um sistema liberal-capitalista.


Ainda que se assemelhem nas tendências, existem diferenças no ritmo e natureza das mudanças. Aqui vai um ensaio de comparação baseada em quatro critérios: 1) direitos; 2) regulação; 3) reformas; e 4) prioridades.


Os direitos podem ser divididos em civis e de propriedade. Os primeiros dizem respeito à liberdade de expressão e de organização política. Os segundos à garantia da propriedade privada segundo a legislação e o poder de polícia do Estado. Nós, latinos, somos muito ciosos de nossos direitos políticos e toleramos o assalto aos direitos de propriedade. Os asiáticos são complacentes com governos autoritários, mas são zelosos quanto ao respeito à propriedade.


O gráfico 1 mostra como os BRICS se diferenciam entre os dois tipos de direitos. Os casos polares são Rússia e Índia. A Índia, com sua longa história democrática e herança colonial britânica, ostenta altos níveis de ambos direitos. A Rússia é o oposto: desde o Século XIX só conheceu governos autoritários e a experiência dos novos oligarcas, confiscados pelo ex-presidente Vladimir Putin, faz dele um país onde os dois tipos de direitos são frágeis.


Os BRICs caminham para a liberalização dos mercados. O fato de todos terem uma história de Estados burocráticos faz com que o papel dos políticos e das burocracias ainda seja importante. No gráfico 2, o processo de liberalização tem dois qualificativos: a velocidade com que diminui a ingerência do governo (mercado versus burocracia) e a estabilidade das regras (e seu oposto, a discricionariedade).


O processo de liberalização é tão mais completo quanto menor a ingerência e menor a discricionariedade, medida pela probabilidade de o governo mudar as regras do jogo.


Nesse quesito, os casos polares são Brasil e Rússia. O Brasil tem muita burocracia e o Estado interfere um bocado ainda mas, em comparação, é onde interfere menos. Além disso, temos agências reguladoras e supervisoras que estão se aperfeiçoando. (É verdade que as iniciativas com o fundo soberano e o pré-sal podem mudar rapidamente essa avaliação). No outro extremo está a Rússia, onde a ingerência do governo é enorme e as regras do jogo estão nas mãos dos governantes. A Índia ainda é muito burocratizada, contudo as regras são estáveis. Na China, a velocidade da liberalização é alta, porém a discricionariedade ainda prevalece.


O terceiro critério são as reformas que visam aumentar o crescimento econômico e a estabilidade. Aqui, os casos polares são Brasil e China. O Brasil optou pela estabilidade, mas fez poucas reformas que aumentem o crescimento potencial. No outro pólo está a China, que faz reformas, mas seu sistema monetário é uma máquina de produzir bolhas.


Rússia fez poucas reformas, mas tem investimentos em infra-estrutura e em educação, o que aumenta seu crescimento. Entre os quatro, é o que tem maior número de celulares e maior uso de energia elétrica por habitante. Porém, tem a mais alta inflação e não conta com instrumentos para lidar com ela. A Índia é um caso de baixo investimento em educação e infra-estrutura, e fragilidade macroeconômica devido ao mal estado das finanças públicas.


Por último, as prioridades. Os quatro países buscam crescer com redistribuição de renda. Nem sempre as duas prioridades podem caminhar juntas porque os recursos são limitados e o governo tem que escolher entre gastos sociais e transferências, de um lado, e investimentos em infra-estrutura, de outro.


O Brasil fez uma opção pelo social. Temos, de longe, o mais generoso sistema de previdência social, a mais elevada taxa de imunização infantil (quase 100%), ao lado da Rússia, assim como a maior proporção do PIB com gastos com saúde pública (3,5%), de novo como a Rússia. A Índia imuniza 55% das crianças e gasta 1% do PIB com saúde pública. A China imuniza 90% e gasta 1,8% do PIB.


Rússia se sai melhor nesse critério: elevados gastos sociais e infra-estrutura. Índia é o pior: baixos índices de ambos. Brasil: opção pelo social e o governo não tem recursos para infra-estrutura. A China é forte em infra-estrutura, porém deixa a desejar no social.


Caramba! Parece que não dá para ter tudo: democracia, garantia dos direitos, estabilidade, crescimento e redistribuição. Em que BRIC você gostaria de viver?

Edward Amadeo é sócio da Gávea Investimentos. Escreve mensalmente às quartas-feiras. E-mail: eamadeo@terra.com.br

Fonte: Valor Econômico

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