quarta-feira, agosto 06, 2008

Profissão é algo mais sistematizado que ocupação


A reestruturação acadêmica é a “menina dos olhos” do Ufba Nova, projeto do reitor Naomar de Almeida Filho que passou a integrar o programa federal de apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – Reuni. Tais mudanças vêm como bacharelados interdisciplinares (BI).

Em resumo, cursos de ensino superior que priorizam a formação geral, através do diálogo de disciplinas das áreas de humanidades, artes, tecnologias e ciência e saúde. Há pelo menos dois anos, os BI têm sido discutidos no ambiente acadêmico, mas há pontos que ainda levantam dúvidas na sociedade.

Em entrevista, a professora Márcia Pontes dá mais detalhes sobre os bacharelados e informa que 20% das vagas dos cursos específicos serão destinadas aos primeiros concluintes dos BI em 2012.

A TARDE | Professora, quanto ao aproveitamento dos créditos, se um aluno ingressa no bacharelado interdisciplinar e depois desiste, ele aproveita o tempo cursado ou só aproveita quem concluir o curso?

Márcia Pontes |
Os créditos são aproveitáveis. A passagem de um tipo de curso para outro será com base nas mesmas regras adotadas hoje no processo de vagas residuais. Se o aluno entrar, por exemplo, no bacharelado e, depois, quiser fazer o curso de psicologia, terá que se candidatar ao processo seletivo de vagas residuais. Se for aprovado, tudo bem, desde que leve componentes curriculares que possam ser aproveitados no curso.
AT | No caso do aluno que conclui o bacharelado, ele vai ter de passar por outro processo seletivo ou vai haver uma seleção por desempenho?
MP |
Os primeiros concluintes vão sair no final do segundo semestre de 2011. Então é na passagem de 2011 para 2012 que vamos ter diplomados que vão ficar ou com titulação do primeiro ciclo ou continuar os cursos profissionais. Então, para 2012, a universidade vai reservar um percentual de vagas de no mínimo 20% para receber os alunos com diploma do BI em áreas de concentração que tenham correspondência. Claro que se o aluno escolhe uma área de concentração (etapa em que a grade curricular antecipa componentes dos ciclos profissionais) em teatro ou dança, ele não poderá se habilitar ao curso de geologia.

AT | Então, será uma transição automática?

MP | Automática. O estudante apresenta o diploma e reservamos uma vaga para ele. Agora, existem cursos de alta e baixa demandas. Pode ocorrer que, em alguns cursos pouco procurados, como exemplo engenharia ambiental, os 20% de vagas para os cursos profissionais tenham número igual ou até inferior de alunos demandando. Já em engenharia elétrica, podem existir 50 alunos demandando 30 vagas. Então, vamos ter que adotar algum tipo de seleção, que será, com certeza, muito parecida com as provas das vagas residuais. Vão ser cobrados conteúdos da área de concentração que o aluno cursou.

AT | Sabemos que os BI foram inspirados em modelos da Europa e EUA. Mas o que há de resultados concretos que serviram como base para os bacharelados serem trazidos para Ufba?

MP | O modelo é mais dos EUA do que europeu. Eu diria que existem várias razões. A mais forte delas, de maior apelo à sociedade, é que com esse modelo atual de formação superior estreita, há mais de 10 anos, 53% das pessoas no Brasil com diploma superior, e entraram no mercado por conta desse diploma, não fazem nada relacionado à sua área de formação. Gente que é auditor fiscal, mas fez curso de engenharia, por exemplo. Hoje, os bancos do setor privado não contratam mais pessoas com nível médio. São áreas de atuação ocupacional e não profissional.

É bom distinguir profissão de ocupação. Profissão é algo mais sistematizado na sua formação. Nos EUA, os estudantes se dirigem a agências públicas quando termina o ensino médio e se submetem a testes para obter determinada pontuação. Se o aluno quer ir para Berkeley, Harvard (universidades americanas), ele vai ter uma pontuação muito alta. E ele só entra nelas a partir do college, que é algo parecido com nosso BI, só ele dura quatro anos, e o nosso, três. Lá, nos três primeiros anos, os alunos aprendem cultura geral e são obrigados a estudar a língua nacional e uma estrangeira. Somente no quarto ano, o estudante escolhe uma área de concentração, chamada de major, que não necessariamente tem compromisso com profissionalização – 25% da graduação nos EUA é focada numa área, 75% são de formação geral.

AT | A gente tem percebido um desinteresse pelos BI de alunos que querem ingressar na universidade. Há o risco de não ter demanda para os bacharelados? Há um plano B?

MP | Sim, existe esse risco, não posso negar. É uma incógnita. O plano B seria diminuir o número de turmas.

AT | Então a proposta de, passada a fase de transição, obrigar o aluno a passar pelo BI só será real se a demanda der certo?

MP |
Repare. Se o aluno entra para o BI e, de repente, se arrepende, ele só pode se transferir para um curso específico a partir do terceiro semestre. Fora isso, o que ele pode fazer é desistir, e achar muito ruim, se fez uma escolha errada. Não teríamos nem apoio na lei para transformar alunos de BI em alunos de cursos específicos.

AT | A fase de transição tem previsão de durar quanto tempo?

MP | Olha, eu acho que o rande teste vai ser no primeiro vestibular.

AT | Uma das críticas ao BI é que, apesar da aparente flexibilidade curricular, ele apresentaria um núcleo básico de conteúdo engessado?

MP | Não. Engessado – predefinido para o aluno cursar sem opção – só são duas disciplinas de 78 horas de língua portuguesa; e 136 horas de estudos sobre a contemporaneidade. E o aluno fará quatro disciplinas da área de conhecimento a que ele pertence. Se é de artes, ele escolhe duas disciplinas humanísticas e duas científicas; se é de ciências, duas artísticas e duas de humanidades, entende? O gesso se resume a 500 horas. Então vão sobrar 700 horas para ele estudar o que quiser. As outras 1.200 são da área de concentração, um caminho traçado pelo aluno. Se hoje temos três áreas de concentração, provavelmente até 2010 teremos umas 20. Além disso, existe a opção de escolher ou não uma área de oncentração.

O estudante, por exemplo, de humanidades, quando chegar ao quarto semestre, em vez de entrar numa área de concentração, poderá fazer um bacharelado genérico. Há dois tipos de titulação: no genérico, sai com título de bacharel em humanidades, ou em artes, etc., por exemplo; se escolher uma área de concentração, sai como bacharel em ciências e tecnologia, com área de concentração em ciências da terra e do mar.

AT | Isso ainda não é o curso específico...

MP | A segunda parte é específica. Mas existem um específico estreito e um largo. O estreito, por exemplo, é você só estudar sociologia, ou só antropologia; e o largo é transitar entre as humanidades. Você, por exemplo, poderia fazer um “geralzão” em humanidades, com área de concentração em comunicação e, depois, se quisesse virar um jornalista, acrescentaria mais 1,5 a 2 anos ao seu BI (de três anos) e se profissionalizaria. O máximo é de cinco anos até a formação profissional.

Fonte: A Tarde on line

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