quinta-feira, julho 03, 2008

Pesquisa e ensino: indissociáveis?

É certo que ensino e pesquisa se reforçam mutuamente em cursos de graduação? A crença de que sim gerou a aceitação a priori de que instituições de ensino superior (IES) sem pesquisa são fadadas a produzir egressos de qualidade inferior.

Alexander Astin, proeminente autoridade em ensino superior, concluiu com dados empíricos que estudar numa IES fortemente orientada à pesquisa aumenta a insatisfação dos estudantes e impacta negativamente na sua captação cognitiva. E que estudar numa IES fortemente orientada para o desenvolvimento do estudante traz um efeito oposto.Professor de universidade dedicado intensamente à pesquisa, fiquei chocado com essa conclusão.

Porém, refletindo mais, concluí que, procurando fascinar os alunos com as áreas de trabalho sobre as quais lecionava, provavelmente atingia um alvo menor, talvez futuros pós-graduandos, já abertos para absorver minha preleção. Os demais poderiam ficar enlevados, mas não necessariamente mais instruídos. Talvez aí resida a explicação para os achados de Astin.

O Brasil possui cerca de 4,7 milhões de estudantes registrados em cursos de ensino superior (2006). O percentual corresponde a muito menos do que em países desenvolvidos e a 70% da Coréia (sempre a agoniante comparação). Vê-se que o ensino superior se faz presente nos indicadores desfavoráveis de educação e é um obstáculo imenso ao progresso contemporâneo, baseado em formação intelectual e ciência.

O MEC gasta cerca de 70% de seu orçamento em cem IES, que matriculam cerca de 600 mil alunos. As 2.200 IES privadas atendem 3,2 milhões de alunos!Por outro lado, o gasto federal corresponde a 1,2% do Orçamento da nação. Há condições realistas de preencher o espaço ocupado por IES privadas com mais IES públicas sem quebrar a estrutura orçamentária?


Para isso, seria necessário aumentar muito o orçamento do MEC. E quanto à infra-estrutura montada por IES privadas, iniciadas há quatro décadas com estímulos dos governos federais?
Muito se tem discutido sobre a má qualidade de ensino pelas IES privadas. Além de debater as razões óbvias, o importante é reexaminar conceitos.

Embora contemos com um processo de avaliação das IES que se aprimora e com um mercado de trabalho mais interessado na proveniência dos egressos, ainda prescindimos de leis e regulamentações. A seguir, algumas muito importantes a serem reconsideradas pelas autoridades federais.

1- Não mais exigir um percentual de professores em tempo integral. Porém, exigir que um professor dedique metade do tempo em sala de aula e a outra metade na instituição para atender os alunos, corrigir provas, preparar exercícios e acessar os novos progressos em sua área.
Isso significa um esforço para o desenvolvimento do estudante, na direção da orientação de Astin. Certamente não interessa um professor de 40 horas gastando-as todas em sala de aula. Também importante é não mais permitir professores pagos por hora. Esses são pontos sobre os quais não deve haver tolerância.

2- Permitir que alunos em doutoramento atuem como professores. Em pequena escala, essa experiência vem sendo feita no Brasil. Em muitos bons "colleges" americanos, utiliza-se esse processo com sucesso. É comum esses estudantes-professores dedicarem dez ou 20 horas semanais ao ensino. Essa é uma fase em que a atividade didática é exercida entusiasticamente. E, seguramente, é melhor do que um doutor perfazendo 40 horas semanais em sala de aula.

3- Esquecer a aritmética de exigir um terço de doutores e cinco cursos de pós-graduação para uma universidade. Na verdade, um único curso de pós-graduação de qualidade pode distinguir uma universidade privada.

As agências de fomento deveriam desempenhar um papel importante, a exemplo do que fez a Fapesp com o programa Jovem Pesquisador. De 1996 a 2008, a fundação financiou 128 projetos de pesquisa e bolsas em universidades paulistas privadas, envolvendo R$ 30,2 milhões e estimulando a pós-graduação em mais de 20 delas.

No recredenciamento das IES privadas a ser realizado, o MEC deve atuar firmemente, descredenciando aquelas que contribuem para a descaracterização do ensino superior.

Deve também, com o governo federal, estabelecer um plano com metas de dez anos para, aos poucos, ocupar um espaço maior do que os minguados 13% atuais de vagas das IES. Essa meta de médio prazo deve prever um aumento paulatino, mas significativo, do percentual do MEC no orçamento nacional.

Fonte: Rogério Meneghini, Coordenador Científico do SciELO, professor titular aposentado do Instituto de Química da USP e membro da Academia Brasileira de Ciências

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