quarta-feira, julho 02, 2008

O negócio da escola de marca


A chave que vem abrindo a porta dos negócios milionários no setor de ensino superior privado brasileiro nos últimos dois anos tem nome. Chama-se escala. Grandes grupos educacionais nacionais e estrangeiros, ao lado de poderosos fundos de investimento, como GP, UBS Pactual, Pátria, são protagonistas de um movimento de aquisições sem precedentes. Recursos não faltam: somente as quatro redes que abriram seu capital na Bolsa de Valores (Anhanguera, Estácio de Sá, SEB e Kroton) amealharam R$ 1,9 bilhão no mercado de capitais, desde o ano passado. Segundo o especialista Ryon Braga, da Hoper Consultoria, há pelo menos duas dezenas de fundos de investimentos com R$ 3 bilhões disponíveis para o setor.

O último levantamento da KPMG mostra que no primeiro semestre foram realizadas 30 transações no setor de educação, o terceiro maior volume do período, inferior apenas aos dos setores de tecnologia da informação e alimentos, bebidas e fumo. Os números disponíveis - nem sempre os valores são declarados - indicam que as aquisições deste ano somam perto de R$ 250 milhões.

O apetite demonstrado pelas grandes redes sugere que o movimento pode crescer de forma significativa. Desse processo de consolidação, em que os maiores engolem os pequenos, os especialistas acreditam que resultará um pelotão de 15 a 20 grupos educacionais, nos quais estarão matriculados cerca de 80% dos alunos da rede privada de ensino superior - contingente que hoje é da ordem de 3,8 milhões. Os restantes 20% estarão concentrados em faculdades de menor porte, caracterizadas pela atuação mais focada em poucos cursos e presença marcadamente regional.

Hoje, 80% do ensino superior estão com a rede privada. Existem pouco mais de mil instituições, que movimentam cerca de R$ 20,5 bilhões, de acordo com o acompanhamento da Hoper. Mesmo com a redução no número de escolas, a expectativa é de que o faturamento conjunto cresça pelo menos 40% nos próximos quatro anos. Um dos principais indicadores dessa perspectiva de expansão é o percentual de jovens entre 18 e 24 anos matriculados em faculdades ou universidades.

No Brasil, essa participação está próxima de 20%, enquanto no Chile alcança quase 45% e, na Argentina, 61%. Outro sinal de que o potencial do mercado de ensino superior no Brasil é promissor está no interesse demonstrado por grandes grupos estrangeiros. Um deles é o americano Apollo, que, associado ao fundo Carlyle, fez uma oferta preliminar de R$ 2,5 bilhões pela Universidade Paulista (Unip), do grupo Objetivo, a maior rede privada do país, com 198 mil alunos. Se concretizada, será a maior transação do setor.

Até agora, a principal organização estrangeira a operar no Brasil é a americana Laureate International Universities, presente em 18 países, com mais de 30 instituições. Foi a primeira a chegar, em 2005. Segundo a diretora do grupo no Brasil, Elizabeth Guedes, a Laureate já investiu R$ 1 bilhão, tornando-se sócia de três instituições: Universidade Anhembi Morumbi (SP), da qual detêm 51%, Universidade Potiguar (RN) e Business School São Paulo (BSP). Neste ano, o Centro Universitário do Norte (UniNorte), no Amazonas, e a Escola Superior de Administração Direito e Economia (Esade), no Rio Grande do Sul, passaram a integrar a rede da Laureate, que hoje tem 70 mil alunos. Outra instituição americana presente no Brasil é a Whitney, que em 2006 adquiriu, por R$ 23,5 milhões, 50% do capital da Faculdades Jorge Amado, de Salvador.

A entrada de grupos estrangeiros no setor não tem sido fácil. De um lado, há resistência do ponto de vista político. O deputado Ivan Valente, do PSOL, por exemplo, encaminhou ao Congresso projeto de lei que impede a participação de capital estrangeiro em empreendimentos educacionais. Nos termos da reforma universitária proposta pelo governo, o limite seria de 30% do capital votante.

Há também aspectos referentes à gestão do negócio. O nível de governança do setor - ainda muito pulverizado - é muito baixo, com alto grau de informalidade, o que assusta o investidor de fora. Mas a situação está mudando. Em 1999, a área de auditoria da KPMG tinha apenas um cliente do setor de educação. Hoje, são 22. De todo modo, "alguns bons negócios" estão sendo deixados de lado por causa de riscos ligados à má gestão.

Um dos aspectos positivos da entrada maciça de capital no setor é a maior transparência na administração do negócio. Desde 1998, quando a legislação passou a permitir que instituições com fins lucrativos pudessem atuar na área de ensino superior, o número de escolas praticamente dobrou. Mais de 1,3 mil foram abertas nesse período, que é chamado de década de ouro. A média de crescimento de receita das instituições, segundo o consultor Ryon Braga, atingiu picos de 45% ao ano.

Atendida a demanda reprimida por vagas, as instituições menores, com 1 mil a 3 mil alunos, passaram a sofrer com o aumento de custos, agravado pela gestão pouco profissionalizada de estruturas em sua maioria familiares. As faculdades menores tornaram-se presa fácil dos grandes grupos.A diferença se reflete no preço final. A média das últimas aquisições varia entre R$ 4 mil e R$ 6 mil por aluno. É metade do que o grupo Apollo oferece pela Unip.

O fim do período de guerra de preços nas mensalidades dá lugar a uma nova etapa de expansão. Só vai sobreviver quem tiver gestão diferenciada, segundo o consultor Sergio Werther Duque Estrada, sócio da Valormax, especializada na reestruturação de empresas. Para ele, os investidores buscam a excelência no modelo de negócios. O objetivo principal da maior parte desses grandes grupos é o público da classe C, que não pode pagar uma mensalidade alta, mas precisa ter uma perspectiva de empregabilidade.

Estudo do HSBC Global Research mostra que os jovens trabalhadores das classes C e D, em busca de melhores oportunidades, são os responsáveis pela maior parte do crescimento das matrículas no ensino superior. Grande parte desse contingente passou a ter acesso à faculdade principalmente por causa dos benefícios previstos nos programas de fomento ao ensino superior (ProUni e Fies) adotados pelo governo federal. Para que o negócio dê certo a longo prazo é preciso oferecer garantia de emprego aos alunos, o que implica investimento e cursos que atendam a esses anseios por um preço acessível. As grandes redes que estão se formando de olho na ascensão da classe C cobram uma mensalidade média de R$ 400.

O grupo Anhanguera Educacional, primeiro a abrir seu capital, foi um dos que se anteciparam às mudanças do cenário. Foram três anos de preparação, com adoção de práticas de governança corporativa, antes de fazer a primeira oferta pública de ações, em março de 2007.

Nesse período, o grupo contou com o apoio do Pátria Investimentos, que criou um fundo para captar recursos de investidores locais e estrangeiros. O fundo injetou, de início, R$ 120 milhões na Anhanguera, em 2003. A Pátria fez a escolha certa dentro de um projeto que prevê a inclusão de alunos de baixa renda no ensino superior, diz Ricardo Scavazzi, sócio do Pátria e diretor de relações com investidores da Anhanguera. O idealizador desse projeto e presidente da instituição é o professor de matemática Antonio Carbonari Netto. que diz que começaram em Valinhos e Pirassununga com quatro cursos e 240 alunos, em 1994. Hoje, são 47 campi, 140 mil alunos e ouma oferta de 300 cursos.

Em duas ofertas de ações na bolsa, a Anhanguera captou R$ 935 milhões. De 2006 até agora, fez 15 aquisições. É o grupo cujas ações mais se valorizaram desde a abertura de capital. Em 2007, adquiriu por R$ 266 milhões uma primeira universidade, a Uniderp, em Campo Grande. A meta da Anhanguera, cujo valor de mercado é de R$ 3,1 bilhões, é fazer 25 novas aquisições e chegar a 500 mil alunos e 120 campi nos próximos cinco anos.

A Kroton Educacional, outra que foi buscar recursos no mercado de capitais, ingressou no ensino superior em 2001. Há 40 anos vinha atuando no ensino básico, com a marca Pitágoras. A primeira faculdade do grupo foi criada em Belo Horizonte. A abertura do capital aconteceu em julho do ano passado, com a captação de R$ 396 milhões. O presidente, Walter Braga, explica que o grupo persegue uma estratégia diferente. "Não queremos ganhar escala apenas para buscar sinergia e economia de custos na gestão. Nosso principal objetivo é replicar o modelo pedagógico que criamos, de forma que possa ser mensurado ao longo do tempo e, assim, se garanta qualidade."

Em sua estratégia de aquisições, a Kroton tem como alvo escolas menores, entre 1 mil e 4 mil alunos, localizadas em cidades com grande potencial de crescimento. Até agora, o grupo investiu R$ 200 milhões em 15 estabelecimentos que têm as marcas Pitágoras e Ined, esta para cursos de tecnologia. São oferecidos 19 cursos para 26 mil alunos nas 25 unidades instaladas. A marca Pitágoras representa 90% da base de alunos de ensino superior da Kroton, que pagam mensalidade média de R$ 500. Nos cursos tecnológicos do Ined, com dois a dois anos e meio de duração, a mensalidade média é de R$ 350. O plano é expandir a grade de cursos nas áreas de saúde, engenharia, direito, ciências sociais aplicadas. Braga prevê que o ensino superior será responsável por 70% da receita do grupo neste ano. Hoje, o ensino básico responde por 50% do faturamento.

Buscar recursos no mercado de capitais é uma ótima alavanca para crescer, mas exige cuidados e uma preparação especial em relação à estrutura de gestão. Sem isso, podem ocorrer percalços. Foi o que ocorreu com o grupo Estácio de Sá, o segundo maior depois da Unip. A instituição só recobrou o fôlego, este ano, com a chegada de um novo sócio: a GP Investimentos, que comprou 20% da Estácio Participações por R$ 259 milhões. A família Cavalcanti ficou com 55% do grupo.

A Estácio abriu o capital em julho do ano passado, captando R$ 268 milhões, mas o desempenho da empresa na bolsa era de queda até junho. Analistas do mercado atribuíram as dificuldades a falhas no planejamento antes da abertura do capital e avaliam que a entrada do GP, que vai compartilhar o controle do grupo com direitos iguais no conselho de administração, deu credibilidade ao negócio.

Entre os grupos que esperam um momento da bolsa que lhes pareça mais conveniente para abrir o capital, mas que, enquanto isso, continuam a se expandir, está a Veris Educacional. O grupo tem 16 mil alunos e uma marca valiosa, que atende ao público classe A: o Ibmec. Nos últimos dois anos, segundo o diretor de operações, Américo Matiello, a Veris investiu R$ 30 milhões em quatro aquisições.

A mais recente foi a Metrocamp, de Campinas. Também fazem parte da rede as faculdades Evandro Lins e Silva, Inea e Uirapuru. Se comparado com outros grupos, o investimento é pequeno, mas está coerente com o posicionamento. A média das mensalidades das escolas do grupo, cuja receita deve chegar a R$ 100 milhões este ano, é de R$ 1 mil a R$ 2 mil. Com as marcas IBTA e Metrocamp, oferece cursos com mensalidades na faixa de R$ 500. O foco não é preço, mas qualidade e marca forte.

Para os especialistas, o movimento de consolidação das redes de ensino superior deve se intensificar nos grandes centros e nas regiões onde é mais nítido o aumento do poder aquisitivo da população. Na fila para abrir o capital, o grupo Iuni, de Mato Grosso, vem ampliando sua presença no Centro-Oeste e abre novas frentes no Nordeste. Tem 46 mil alunos e controla, além da Universidade de Cuiabá (Unic), mais quatro instituições em Estados do Norte e Nordeste: Unime (Bahia), Fama (Amapá), Uniron (Rondônia) e Uninorte (Acre). Nas três aquisições que fez este ano em Mato Grosso, investiu R$ 20,5 milhões.

A Anhangüera já tem um pé no Centro-Oeste. A Estácio de Sá tem operações na Bahia, Ceará, Pernambuco e Pará. A Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), que possui quatro campi em São Paulo, comprou, no ano passado, a UniDF, em Brasília, além de um Centro Universitário em Caraguatatuba (SP). Segundo o presidente da instituição, Hermes Ferreira Figueiredo, uma nova aquisição no Espírito Santo já está em andamento. Nos últimos dois anos, a Unicsul investiu R$ 100 milhões em transações e na compra de um novo prédio em São Paulo.

Para expandir sua atuação no Nordeste, a Faculdades do Nordeste (Fanor), de Fortaleza (CE), foi buscar há dois anos o apoio financeiro de dois fundos de investimento geridos pelo UBS Pactual, que agora possuem 38% de participação no capital da instituição. Depois de adquirir a Faculdade de Desenvolvimento Humano (FDH), em 2006, a Fanor comprou duas escolas na Bahia, em 2007: a Área 1 e a Faculdade de Tecnologia Empresarial (FTE), o que a fez dobrar de tamanho, passando a ter 9 mil alunos. Desde o início do ano, as duas faculdades ocupam um novo prédio, em Salvador, com capacidade para 15 mil alunos.

Fonte: Valor Economico


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