sábado, setembro 05, 2009

O professor é a chave para um bom ensino superior


Uma avaliação das universidades brasileiras, feita pelo MEC, permite traçar o perfil dos cursos deficientes. Eles têm menos mestres e mais horistas

BEM INSTALADA

Campus da Uniban em São Paulo. Ela é uma das maiores universidades do país, mas tem cursos que não cumprem a proporção mínima de professores contratados em regime parcial ou integral

Não poderia haver prova mais contundente da importância de investir na qualidade dos professores. O Índice Geral de Cursos da Instituição (IGC), divulgado na semana passada pelo Ministério da Educação, demonstra uma correlação quase exata entre os piores cursos universitários e os que têm menos professores com mestrado. Também ficou claro que quanto mais professores horistas, que recebem apenas pelas aulas que dão, pior o desempenho dos alunos (confira no quadro abaixo).

O IGC, cuja principal base é o resultado do Enade (exame federal do ensino superior), apontou a existência de 588 instituições e mais de 1.500 cursos de ensino superior com conceitos 1 e 2 – considerados pífios. Em áreas estratégicas, como pedagogia e engenharia, um em cada quatro formandos sai de cursos de má qualidade. Isso significa formar professores e engenheiros de competência duvidosa.

A partir dos dados que compõem o IGC, é possível traçar um perfil dos cursos universitários deficientes. Grande parte deles (807) mantém mais da metade de seus professores sob o contrato de “horista” – sem lhes dar estrutura nem salário para fazer atendimento individual ou pesquisas. E um terço tem menos da metade de seus professores com título de mestre.

“O universitário aprende apenas 40% do que sabe na aula. O resto é em pesquisas e consultas individuais com o professor”, diz Alan Barbiero, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. “O professor pesquisador também é produtor de conhecimento, tem outra relação com o que ensina. O contrato do horista empobrece o curso.” Para ele, cursos de excelência devem ter 100% de mestres e doutores. E nenhum horista. É assim na Universidade Federal de São Paulo, primeira colocada no IGC.

Falta muito para as universidades brasileiras atingirem esse patamar. A lei exige que no mínimo um terço dos professores tenha mestrado e que pelo menos um terço trabalhe em regime integral ou parcial. Nem esse mínimo é cumprido: 387 cursos não respeitam o piso do mestrado e 1.101 burlam o do contrato. É o caso de alguns cursos da Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban), uma das maiores redes do país, com 60 mil alunos. No Enade de 2008, nenhum dos 20 cursos avaliados cumpria o mínimo de professores com carga integral e parcial. No curso de matemática da capital, apenas 3% dos professores estavam nesse regime. No de engenharia de São Bernardo do Campo, apenas 16%. O reitor da Uniban, Heitor Pinto Filho, diz desconhecer os dados. “A Uniban tem 2.300 professores, 34% com dedicação exclusiva”, afirma. Segundo ele, os outros 1.518 professores têm um plano de carreira pelo qual é possível ser contratado com carga integral depois de “estudo e dedicação”.

Ao divulgar o IGC, o ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou que as nove instituições mal avaliadas pelo segundo ano seguido passarão por supervisão – terão de fazer um plano de recuperação e, durante um ano, receberão visitas de avaliadores. A medida já é aplicada aos cursos mal avaliados no Enade. Os supervisores cobram aumento da proporção de mestres e doutores, mais contratos em regime integral e mais livros na biblioteca.

As supervisões incomodam. Desde seu início, no ano passado, surgiu no Congresso um movimento para impedir a divulgação do IGC. Gabriel Mario Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, afirma que o Enade não é válido porque a prova não tem consequências para os alunos. “A avaliação fica na dependência das respostas dos alunos, que não têm compromisso com ela”, afirma. Heitor Pinto Filho, que, além de reitor da Uniban, é presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares, diz que os avaliadores não sabem julgar o ensino privado porque são professores de universidades federais. Os critérios seriam rigorosos demais. “A universidade pública não é referência para mim, é referência para a elite”, afirma. “Contratar professor doutor com dedicação exclusiva, com o orçamento das federais, eu também faço. Mas, para atender pessoas de menor condição financeira, precisamos abrir cursos com custo mais baixo.”

Essa argumentação implica aceitar que, para expandir o ensino superior, a qualidade dos cursos deve cair. É claro que sempre haverá cursos melhores e piores, mas a sociedade precisa garantir um nível mínimo na formação dos profissionais. A questão é como fazer isso. Nos Estados Unidos, agências mantidas pelas universidades avaliam as instituições que pagarem pelo serviço. O governo mantém uma lista das agências confiáveis. “O controle da qualidade é feito apenas pelo mercado”, diz o economista americano Robert Verhine, que mora no Brasil há 20 anos e hoje é membro da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior. Para ele, esse sistema não é suficiente para o Brasil. Aqui, 50% dos universitários estudam em instituições com fins lucrativos. Nos EUA, são 20%. Lá, a maior parte das universidades é mantida por fundações sem fins lucrativos, cujo foco maior é na qualidade, não na expansão de vagas e no lucro. “Sem um sistema para assegurar a qualidade, pode haver um nivelament o por baixo das instituições. E os alunos ficariam sem escolha”, diz Verhine.




Fonte: Revista Época nº 590

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